sábado, 30 de julho de 2016

DESAFIOS DA ARTE CONTEMPORÂNEA EM SALA DE AULA - PORTFÓLIO DIGITAL

                                                       
                                                         
A escola em que o projeto foi realizado é uma escola de periferia com sérios problemas de indisciplina e concentração.
Como o currículo prevê um aprofundamento na arte contemporânea, iniciamos o ano de 2015 com uma proposta bem radical: Preparamos um power point com o título: A ARTE CONTEMPORÂNEA É RUIM? Nele existe um vídeo de um professor americano fazendo críticas severas às produções atuais. O primeiro desafio já começou aí, pois o vídeo é legendado e, por incrível que pareça, muitos alunos, mesmo sendo do ensino médio, não conseguiam acompanhar. Foi então que tivemos a ideia de criar este blog e "destrinchamos" o vídeo em um post e tudo clareou.
Mas, o desafio maior, que era mostrar o quanto a arte contemporânea tem de riqueza, e não apenas coisas ruins como mostrava o vídeo, seria um processo longo e doloroso, pois seus caminhos nem sempre são de fácil compreensão. Precisamos mostrar que, para chegar onde chegamos foi preciso trilhar uma caminhada de mais ou menos 30.000 anos. E, que, a arte de nosso tempo é reflexo dessa caminhada, e de nosso momento, e da vida pulsante que vivemos!... E provar que ela tem muita, muita coisa boa... E nos reflete!
 Hoje o aluno é bastante exposto a visualidades atrativas e algo que o faça pensar nem sempre está em suas prioridades. Infelizmente, a popularização das mídias sociais tomam-lhes todos os espaços! Todos os professores já se deram conta disso e, embora proibido o celular em sala de aula, disputamos a todo o momento a atenção do aluno com este incrível aparelhinho.
Fizemos outro power point sobre "Instalação", usamos o data show para explanação, (que depois transformamos em outro post) e, no final da explanação, nos deparamos com o desinteresse de boa parte da classe...
O que fazer?... Se, nem mesmo uma aula bem planejada e com recursos visuais chamam a atenção, como usar a apostila que nem sempre tem atrativos, embora com ótimos conteúdos? O que mais teria que ser feito para ganhar a corrida com o celular? 
Bem, começamos a apostar mais nas produções, intercalando os conceitos necessários do currículo com a criação de obras temáticas que também provocavam a reflexão e os mantinham ocupados criando.
Começou a dar muito certo, passamos a investir mais nisso, inclusive comprando do próprio bolso materiais que diversificassem as criações com lápis de cor, que era o único material disponível na escola. Exercícios com outros materiais, no caso o pastel seco, que é caro e nunca usado nas escolas justamente por isso, instigou a experimentação, a curiosidade e a criação. A partir daí foi possível contar com a colaboração da maior parte das classes, que começavam a sentir o prazer em criar. Nos contaram que, quase sempre, as aulas de artes limitavam-se ao uso da apostila e poucas oportunidades tinham na criação e, muito menos na experimentação de novos materiais.

Mas, ainda havia um desafio a ser superado: "O tempo".
Detectamos que a maioria dos alunos nada sabiam sobre história da arte e, como iríamos chegar à arte Contemporânea sem conhecer as trajetórias que nos trouxeram até aqui?
Seria preciso brigar contra o tempo, pois seria inadmissível que os terceiros anos deixassem a escola sem nenhum conhecimento sobre a História da Arte.
Precisávamos focar consistentemente nas rupturas, também, mas não haveria tempo hábil para uma trajetória tranquila delas para chegar-se à arte Contemporânea. Foi proposto então, estudos de obras de artistas dos períodos do Renascimento, Barroco, Neoclassicismo, e que depois os reconstruíssem com bases mais contemporâneas, utilizando-se de grafismos, op art, formas geométricas e temas que indicassem uma contextualização do próprio tempo. Considerou-se, para selecionar os conteúdos, as necessidades de entendimento das bases da arte contemporânea, que não brota do nada, mas possui bases consistentes. Apresentamos obras do século XX e XXI como estímulo visual para uma composição da "Reconstrução" dos alicerces que vinham sendo estudados. Reconstruído o trabalho, com estas novas bases, passou-se as novas formas e os novos elementos para suportes mais grossos (papelão, papel cartão) que suportassem tinta. 
Percebeu-se durante o processo o aumento na qualidade das composições que, no início refletiam-se com formas simples e de pouca preocupação com temáticas ou técnicas. À medida que os trabalhos foram avançando, a própria qualidade alcançada pelos colegas serviam de estímulo às novas produções que tornavam-se mais complexas, mais harmoniosas e mais ricas.
O resultado foi muito produtivo e tínhamos um material de ótima qualidade que comporia uma boa exposição para a semana cultural que ocorreria na escola. Neste ponto, toda a equipe gestora também havia sido "contaminada" com o entusiasmo e passou a contribuir com a compra de materiais e a propiciar novos espaços para facilitar a produção dos trabalhos para a exposição.


                                                 Produzindo no Refeitório


No final, fizemos a curadoria da exposição dividida em três eixos criativos:
"Estudos de Obras", que mostrariam os alicerces. 
"O Nosso Tempo" que contextualizaria o momento que vivemos e daria o entendimento necessário para que os alunos compreendessem que cada obra de arte tem muito do tempo e lugar em que o artista viveu ou vive.
 E, "Desconstrução/Reconstrução" que, finalmente criava uma arte contemporânea e sua compreensão como um processo epistemológico.
Então, vamos lá, seguem alguns trabalhos de cada eixo expositivo. A maior parte dos trabalhos foram feitos em papelão, contracapas de blocos que seriam descartados, e alguns com papel cartão, quando já contávamos com a colaboração da equipe gestora na compra de materiais. Foram usadas tinta guache, acrílica, e até tintas de tecido doadas pela Escola da família. Portanto, um processo colaborativo que uniu forças e sensibilizações.

ESTUDOS DE OBRAS

Trabalho do Alan, Elbert, Daniel

Trabalho da Amanda, do Gabriel, da Vânia e Mariane Laís

Trabalho da Maria Eduarda, da Mirelle, Sara Silva


O NOSSO TEMPO







DESCONSTRUÇÃO/RECONSTRUÇÃO







Bem, é claro, esta é apenas uma parte da exposição. Foram 51 obras ao todo. Vejam que no último eixo utilizo 'desconstrução/reconstrução' e nunca 'releitura', que caberia perfeitamente também, mas, o desejo é de realmente enfatizar o processo, devido a multiplicidade e diversidade de trabalhos possíveis com o método utilizado. Vejam por exemplo as 2 obras abaixo. Ambas foram desconstruções e reconstruções da obra Auto Retrato de Pablo Picasso.


E estas quatro da obra 'Primavera' do Ingres





A primeira exposição realizada destas obras foi na própria escola na semana cultural

Giovanna e Maria Eduarda


Alan e Guiomar

Sara e eu


Eliane Coordenadora, Sara, Priscila Diretora e Guiomar mediadora




Em seguida fomos convidados a expor na Diretoria de Ensino. Aí já fizemos uma "abertura" para exposição, com detalhes dos processos construtivos.


Fizemos um fundo desfocado com a obra "Apolo" de Nadir Afonso e imprimimos em papel couche



Detalhe de um dos painéis da Exposição na Diretoria de Ensino.


Depois fomos convidados para expor na Casa de Cultura Hermann Muller, mandamos fazer os convites


Alteramos o nome da exposição para "Desafios da Arte Contemporânea em Sala de Aula".
Teve uma cerimônia de abertura bem bacana, com direito a discurso e comes e bebes que foram feitos com a cooperação dos professores e da equipe gestora, mais o apoio da escola da família e seus voluntários. O Gabinete do Vereador Sr.  Davi Ramos conseguiu o ônibus para levar os alunos e familiares. Enfim, todo mundo cooperando, uma coisa bem emocionante de se ver. Só São Pedro que não cooperou muito e chovia a cântaros, de tal forma que muitos alunos não tiveram como ir, mesmo com o ônibus disponibilizado na porta da escola... Enfim, nem tudo é perfeito! Mas, assim mesmo deu uma boa repercussão na cidade, com divulgação de uma página inteira no jornal local "O Liberal"





Os Comes e Bebes


Na Exposição com Amanda



Com Letícia



Detalhe da Exposição na Casa Hermann




Este aluno José Willian Dias Silva foi um dos destaques da exposição. Embora ele não seja de nossa turma regular, ficamos impressionados com a qualidade e conceitualidade de seus processos criativos.



Depois daí a Exposição seguiu para a Câmara Municipal, que reuniu alunos, vereadores, professores. À esquerda a Diretora Silvia, que muito contribuiu para que tudo corresse nos conformes e o vereador Sr. Davi Ramos que deu a maior força com o transporte dos alunos e de quem partiu o convite para o local


O que os alunos aprenderam com tudo isso?

Isso só eles poderão responder. Mas tenho fé que no coraçãozinho de cada um ficará marcado uma boa lembrança dos momentos de produção e da alegria que surgia em cada rosto a cada trabalho consistente realizado.

Acredito que as exposições colaboraram, sobremaneira, para a melhora da autoestima dos alunos, equipe gestora, professores.

A mim a alegria de ter conseguido que não mais fizessem aviãozinho dos trabalhos de arte e que agora se preocupem em resgata-los e guardá-los.
Aprendi que nunca devemos desistir, mesmo perante aos maiores desafios. Tudo isso mostrou-me que os hibridismos (uso aqui hibridismos também para designar a mistura de períodos da história da arte)  podem ser uma alternativa consistente para correlacionar conteúdos e torna-los mais eficazes em tempo de aprendizado, utilizando-se das práticas do saber fazer, tornando-os viáveis e definitivamente impregnados na essência do aluno. Depois deste projeto tenho utilizado esta mistura de linguagens e contextos em outros projetos, sempre com sucesso.




sexta-feira, 29 de julho de 2016

SABORES QUE ALIMENTAM MINHA ALMA

Este é o título de um projeto que adaptamos às aulas de arte, do projeto maior do Estado de São Paulo "Viver com Saúde".

Foi apresentado aos alunos uma leitura de um post do Intercambiando, onde se fala de experiências que envolvem o ato de "fazer os alimentos em família e seus desdobramentos afetivos". Em seguida foi proposto que pensassem em lembranças agradáveis com estas temáticas e construíssem um texto. A segunda etapa do projeto será fazer um prato, na cozinha da escola, e claro, come-lo. 

O que isso tem a ver com arte? A visão expandida da cultura, sentimentos, ancestralidades, identidades, trânsito por diversas áreas do conhecimento para construção humana.

Mas, o trabalho de uma aluna, Milena, do 9º Ano D da Escola Martinho Rubens Belluco, Americana/SP, que vem lá da Bahia, mexeu particularmente comigo, com meus sentimentos, pois também me vi retratada na mesma situação quando tinha a idade dela e também precisei sair de casa para estudar. Mas, vamos lá ao texto da Milena, que me autorizou a publicação:

"Uma coisa que me conforta são as comidas de minha mãe!... O sabor é diferente!... 
Mas, agora moro com minha tia e não posso sentir mais o gosto da comida da minha mãe. Sinto muita falta dela, dos abraços, dos conselhos, do boa noite! Sinto falta de tudo, de estar ali ao lado dela, mas, nas minhas férias, minha mãe veio me ver, então eu pude sentir o gosto da comida dela novamente. Senti o conforto dela ali do meu lado, preocupada comigo, me protegendo das coisas ruins.
A comida da minha mãe me deixa mais feliz, pois sinto o gosto como se eu estivesse em casa, sinto o conforto de que tem alguém que me ama e se importa comigo. Alguém que quer que eu seja alguém na vida! 
Ver minha mãe foi muito bom pois eu pude matar a saudade e sentir o gosto da comida dela novamente!"

Vejam quanta coisa envolvida num simples alimentar-se! A complexidade humana é o que nos diferencia dos animais que comem apenas para alimentar o corpo. Os humanos alimentam o corpo, a alma, os sentidos.
Porque o humano, desde os mais antigos objetos arqueológicos encontrados, colocavam arte em seus utensílios? Precisava pintar uma cena mitológica em um prato para a função a que se destinava?
Precisamos tomar um vinho numa taça? Beber um café numa xícara de porcelana?
Claro que não, apenas para satisfação dos sentidos nós precisamos disso! Apenas porque somos humanos, complexos, corpo, alma, que necessitam se envolver com outras esferas.

Obrigada a Milena por nos permitir a edição de seu emocionante trabalho!



                                         
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