Num país com uma territorialidade tão extensa como a nossa, a diversidade cultural é mais comum do que se pensa, e, por vezes, nos causam até estranhamentos.
O Maracatu é uma destas manifestações, uma mistura das culturas ameríndias, africanas e europeias, concentrada mais nos Estados do Nordeste, mas hoje tem alcance em quase todo o Brasil, África, Canadá, França, Alemanha, entre outros.
Recebemos estas fotos de uma Festa de Maracatu, realizada na cidade de Nazaré da Mata, Estado de Pernambuco, vistas sob a lente de um Italiano amigo nosso, que aqui esteve em 2012, Riccardo Iorio. A ele nossos agradecimentos por esta contribuição.
Hoje, tido como uma manifestação carnavalesca por estas comunidades, sua história remonta à escravidão, e a hipótese mais difundida é a de que teria surgido à partir das coroações e autos do Rei do Congo, prática implantada no Brasil supostamente pelos colonizadores portugueses e, por consequência, permitida pelos senhores de escravo.
Os eleitos como rainhas e reis do Congo eram lideranças políticas entre os cativos: intermediários entre o poder do Estado Colonial e as mulheres e homens de origem africana. Destas organizações teriam surgido muitas manifestações culturais populares que passaram a realizar encontros e rituais em torno dessas representações sociais, originando o Maracatu do Baque Virado, que também estabeleceu ao longo dos anos em diversos "agrupamentos" uma forte ligação com a religiosidade do Candomblé ou Xangô Pernambucano.
Estivemos pesquisando e constatamos que, apesar de fazer parte importante de nossa cultura, até aquele ano (2012) não se encontrava registrado no IPHAN, (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), como Patrimônio Cultural Imaterial. Contudo, o devido registro foi feito em Dezembro de 2014 .
Para acompanhar as fotos tiradas por Ricardo Iorio, optamos por acompanhá-las de um trecho do livro Maxombas e Maracatu de Mario Sette, de 1948.
Vejam que, entre o texto e as fotos passaram-se 64 anos, mas parecem feitos do mesmo momento histórico.
“Eram típicos no carnaval de antigamente. típicos, numerosos, importantes, suntuosos. No meio do vozerio da mascarada, dominando as marchas dos cordões, ouvia-se ainda longe o rumor constante, uniforme, monótono dos atabaques:
Bum...bum...bum...bum
Bum...bum...bum...bum
Era um maracatu. Havia os que gostavam dele e esperavam-no
com curiosidade. Havia os que protestavam contra a revivescência africana e
resmungavam.
Bum…bum…bum…bum… No fim da rua, por cima do povo, surgia o grande chapéu de Sol Vermelho, rodando, oscilando, curvando-se.
E o batuque cada vez mais perto, mais perto. Dali a pouco desfilava o cortejo real dos negros
Vinha o rico estandarte com cores vivas e bordados a ouro.
Traziam fetiches religiosos nas mãos
Depois o Rei e a Rainha, em trajes majestosos, debaixo da
ampla umbela de seda encarnada com franjas douradas. Empunhavam os cetros,
vestiam longos mantos, e tinham cabeças coroadas.
Na retaguarda do préstito, os atabaques, as marimbas, os
congás, os pandeiros, as buzinas… As canções que todos entoavam eram
ordinariamente nostálgicas, como uma ancestral saudade da terra de berço,
ficada tão distante. Costumavam também cantar assim:
Bravos, Ioio! Maracatu Já chegou.
Bravos, Iaia! Maracatu vai passar.
Uma das mulheres empunhava uma grande boneca de pano toda
engalanada de fitas, e repetia numa toada dolente:
A boneca é de seda…
A boneca é de seda…
Os maracatus paravam em frente às casas dos protetores e ali
dançavam durante alguns minutos. Antigamente licenciavam-se dezenas deles e
apresentavam-se com verdadeiro luxo. Nas sedes havia demoradas festas, com
danças e batuques, a que assistiam os soberanos sob um dossel de veludo.
Todos os negros da costa, tão comuns no Recife de ontem,
aqueles mesmos que se reuniam , também, religiosamente, na Igreja do Rosário,
lá se achavam para tomar parte no toques. O maracatu hoje escasseia e já não tem
mais o esplendor de antes. Em menino eu tinha medo dos maracatus.
Medo e como uma espécie de piedade intraduzível. Aqueles
passos de dança, aqueles trajes esquisitos, aqueles cantos dolentes, me davam
uma agonia…Eu me encolhia todo, juntando-me à saia de chita de minha mãe preta,
com receio talvez de que os negros do maracatu a levassem também. E eu não
sabia ainda ser o maracatu uma saudade…Hoje é que a compreendo, que a sinto,
recordando os maracatus de minha infância e de minha terra, vendo os carnavais
de outras cidades e de outra época… Parece-me perceber ainda o batuque
longínquo, cada vez mais remoto, cada vez mais indeciso, quando, na alta noite
da terça-feira, no silêncio e na tristeza do Carnaval acabado, o derradeiro
maracatu se recolhia à sede…
Bum…bum…bum…bum…
Bum…bum…bum…bum…
E lá se ia, como se foi, o meu maracatu de menino…”
CRÉDITOS
Texto Extraído de:
http://maracatu.org.br/o-maracatu/breve-historia/
Posts publicados originalmente em
http://sabedoriapopular.blogs.sapo.pt/61307.html
e http://intercambiando.blogs.sapo.pt/74583.html estes da
mesma autora deste blog.
Ricardo Iorio - autor das fotos.
Evolução da Bateria do Estrela Brilhante Carnaval de 2015